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Capítulo 5

Hideo


A garoa fina deixava a manhã fria e cinzenta em Stashi, e o General Hideo Takahashi ajeitou o casaco sobre o uniforme pardo enquanto subia os degraus de pedra polida rumo ao escritório principal das indústrias de sua família.


Aquilo tudo deveria ter sido seu.


Seria em breve.


Lá dentro, a recepção estava vazia. Talvez fosse o efeito da greve que tinha começado um mês antes, quando um grupo de operários havia sido esmagado por uma prensa de metal, ou só uma coincidência. Mas Hideo não acreditava em coincidências, nem em destino. Tudo — o tempo, a história, o poder — obedecia a um fio que ele queria puxar e comandar.


Ao entrar na ampla sala que pertencera a sua avó e agora era ocupada por seu irmão mais novo, Hideo foi recebido por um quadro enorme na parede à esquerda: uma pintura de Zora envolte em nuvens, empunhando um cetro feito de vento. Os cabelos longos e quase brancos se misturavam às pinceladas vibrantes de seu manto, o que quase lhe dava a impressão de movimento.


Hideo parou em frente ao quadro, cruzando as mãos às costas. Muitos acreditavam que os deuses moldaram Etéria, cada um com seu elemento. Zora do Ar, Wata da Água, Naki da Terra, Tacruk da Montanha, Vaelay do Fogo, Vaelith das Sombras e N’oto dos Sonhos. 


Um conjunto de seres poderosos, ancestrais e… infalíveis. 


Mas a história tinha provado o contrário. A mãe de Rubi, por exemplo, venerava Zora e dizia que ê deuse era bondose. E, no entanto, a vida dela terminou da forma mais cruel possível. Ninguém a protegeu.


Ele tocou o anel no dedo indicador — o rubi vermelho incrustado reluziu no brilho da luminária. Hideo, às vezes, se questionava se não estava mexendo com um poder além de qualquer compreensão. Balançou a cabeça e voltou a encarar a pintura.


Os deuses tinham poderes além da compreensão e, mesmo assim, onde eles estavam agora?


— O Hiro está brincando comigo — murmurou, sozinho. A ausência de criados ali era estranha, e o silêncio do prédio o irritava.


Finalmente, passos apressados surgiram no corredor. Hiro Takahashi irrompeu pela porta, ajeitando o colarinho amarrotado do paletó. Tinha olheiras fundas e o olhar preocupado.


— Perdão, Hideo, essa greve está me dando nos nervos. Os trabalhadores se recusam a operar as máquinas mais antigas até receberem aumento de risco e… 


— Não interessa — Hideo interrompeu. — Tenho um assunto muito mais sério do que meia dúzia de operários amotinados.


Hiro parou ao lado dele, franzindo a testa. O olhar se voltou para a pintura de Zora, mas rapidamente se desviou para o rosto do irmão.


— O que houve?


Hideo se virou. Ali, tão próximos, as diferenças entre os dois eram evidentes: ainda que tivessem o mesmo tom de cabelo, um loiro bem claro, Hiro era magro e tinha um ar cansado, ao passo que Hideo se mantinha firme, o corpo robusto coberto pelo uniforme com insígnias douradas.


— Sua filha desapareceu.


O rosto de Hiro empalideceu e seus lábios tremeram. Hideo precisou conter um sorriso. Ver o desespero de Hiro era muito divertido. Se soubesse que seria tão prazeroso tinha mandado, ele mesmo, alguém sequestrar Rubi.


— Desapareceu como? — Hiro gaguejou, recuando até quase esbarrar num enorme retrato de Riku Takahashi, que carregava um pouco da aparência dos dois filhos. — Onde? Quando?


— Você conhece a Rubi, ela é impulsiva. Pode ter saído por aí atrás de alguma mulher… ou homem, dependendo do humor da noite. — Hideo encolheu os ombros, como se não fosse nada. Na verdade, já tinha recebido informações desencontradas: sequestro, fuga à noite com uma mulher misteriosa, assassinato por vingança. Ele colocou a mão no ombro do irmão mais novo. — Não se preocupe, você sabe que ninguém toca na nossa família sem pagar por isso.


— Precisamos avisar o Imperador! — Hiro passou a mão pelos cabelos desalinhados, os olhos marejados. Era patético. — Vou falar com o Conselho.


O general cerrou os dentes, mas manteve o tom de voz baixo e quase amistoso:


— Não faça isso. — Ele olhou de lado, fingindo preocupação. — Se o Imperador ficar sabendo que a única herdeira Takahashi está sumida, vai ser um escândalo. Você sabe que aquelas serpentes do Conselho só esperam a primeira oportunidade para tomar nossas fábricas. Na primeira fraqueza, eles já estariam prontos para o bote. Não precisamos de mais problemas além da greve.


— E se ela estiver em perigo? Rubi pode estar ferida!


Hideo apertou os ombros do irmão.


— Confie em mim. Quando falhei com nossa família?


Hiro pareceu vacilar. Apertou os lábios, mas cedeu.


— Então… então faça o que precisar — falou baixo, quase vencido. — Só… me mantenha informado. E nada de violência desnecessária, entendeu? Tenho planos de expandir a fábrica, para não prejudicar…


— Não se preocupe com detalhes — Hideo interrompeu, mantendo a mão no ombro de Hiro por alguns segundos a mais, num gesto que seria reconfortante para quem não o conhecesse. — Vá cuidar da sua greve. Eu cuidarei de Rubi.


O irmão baixou a cabeça, murmurando um agradecimento antes de sair quase correndo do escritório. Restou um silêncio tenso, que o general saboreou com um meio sorriso.


Ele deixou a sala também, o uniforme pardo roçando nas paredes estreitas do corredor. No andar inferior, um homem de expressão dura e cicatrizes no rosto já o aguardava — um dos muitos capangas que o general mantinha sob seu comando particular. Rudolf se curvou levemente, sem dizer uma palavra sequer. 


— Investigue o que aconteceu com Rubi — Hideo ordenou. — Vasculhe qualquer pista em Körin e também Minéria. Descubra se está viva, se alguém a mantém em cativeiro… Se for necessário, ofereça ouro. Se não for suficiente, ofereça chumbo.


O capanga assentiu, já se preparando para partir. Hideo lançou mais um olhar em direção ao escritório do irmão, onde o retrato de seu pai encarava o quadro de Zora na parede do outro lado. Zora estava ocupade demais dando para o deus da Montanha para se preocupar em salvar Rubi ou qualquer outro sobrevivente de Osin.


E também não salvaria Hiro do destino que Hideo estava prestes a comandar com a ponta de seus dedos.


Com passos firmes, o general deixou as Indústrias Takahashi, o rubi do anel faiscando como sangue ao sol. O desaparecimento da sobrinha não era um problema, era uma oportunidade. E ele não deixaria essa chance escapar.





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